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Entrevista 

com Lia Rejane

Confira abaixo a entrevista feita na rádio CBM com Marly chagas.

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Marly: Agora inauguramos o programa “CBM Música e Saúde” e temos aqui no nosso estúdio a presença de Lia Rejane Mendes Barcellos, que, com enorme alegria – enorme prazer –, veio conversar conosco neste nosso primeiro programa sobre a musicoterapia no Rio de Janeiro, aqui no Conservatório, na história... A história da Musicoterapia que praticamente é a sua história, não é, Rejane? 

Rejane: Mais ou menos... (risos)

Chegou um pouquinho antes de você, mas você sabe bastante disso, não é? Conta pra gente, Rejane!

É, na verdade a alegria e o prazer são meus, de estar aqui “inaugurando” esse programa de música e saúde. Na verdade, eu cheguei mesmo junto com a musicoterapia formalmente, se se considerar a formação do musicoterapeuta, porque na verdade a musicoterapia clínica veio muito antes de mim. Desde o final da década de 1940, início de 1950, se teve pessoas trabalhando em musicoterapia e até com carteira assinada numa das instituições. 

E a própria Associação, Rejane, que em 1968 foi fundada. 

Ah, sem dúvida, sem dúvida.

Estou falando da Associação de Musicoterapia do Estado do Rio de Janeiro, que na verdade naquela época se chamava Associação Brasileira de Musicoterapia. 

Exatamente, embora tivesse mais uma no Paraná e outra em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Mas ela tinha esse nome, depois teve todo um processo...

A do Paraná se chamava Sul Brasileira.

Já se chamava naquela época? Sim, mas então eu começo no mesmo momento em que a formação começa. Na verdade, eu já tinha tido uma passagem não propriamente pela musicoterapia – nem assim se chamava –, mas quando eu fiz especialização em educação musical, o estágio era obrigatório, não só em educação musical. Eu fui, por exemplo, para o Liceu Franco-Brasileiro fazer um estágio de educação musical em escola, mas também nós éramos obrigados a fazer estágio na Pestalozzi, por exemplo, que era com educação especial. Então aí começa a minha relação com a música com uma nova aplicação, porque na verdade eu venho da música, piano e aquelas matérias teóricas. Então é que é a música se apresenta com uma nova roupagem, quando eu vou para Pestalozzi e tenho um estágio junto com a Ana Sheila Tangarife, que é uma musicoterapeuta que na época não tinha formação, mas que já trabalhava com deficientes mentais – hoje deficientes intelectuais.

Rejane, e esse estágio que você fez foi com Dona Liddy Mignone, Cecília [Conde], como foi?

Foi só o primeiro ano com dona Liddy. Ela faleceu exatamente quando eu estava passando para o segundo ano. Cecília Conde, Elisar, Heloísa Bittencourt – com quem eu fiz estágio durante um ou dois anos no liceu franco-brasileiro. E aí, então, o último estágio era na educação especial, e quando eu fui embora para Taubaté (São Paulo), eu fui chamada para dar aula numa escola de música. Eu dava aula de piano e de harmonia, e fui chamada para uma escola de deficientes intelectuais onde eu comecei a fazer música com deficientes intelectuais – antes de fazer o curso de musicoterapia.  Então eu voltei para cá em 1970 e em 1972 o curso começou. Eu fui da primeira turma, que tinha 130 pessoas! Na verdade, tinha uma demanda reprimida – nós éramos quatro turmas. De manhã, Turma A e B – do tempo de Turma A e B! (risos) –, outra à tarde e outra à noite. Só que o curso começou – e isso é realmente a história do curso no Rio de Janeiro – para ser feito em um ano. Provavelmente por isso, também, tivesse tanta gente. Quando nós chegamos no final do primeiro ano, nós fomos informados que o curso de teria 3 anos a partir daí. Aí já saiu muita gente, então o que aconteceu foi que as duas turmas A e B da manhã e a turma da tarde se juntaram em uma turma e nós ficamos uma turma de manhã e uma turma à noite. Ainda assim, a primeira turma formou 36 pessoas, o que era muita coisa. Só teve uma outra turma tão grande quanto essa, que foi a turma de 1979.

Quer dizer, você se formou em 1975? E essa concepção do curso foi da Cecília Conde?

Na verdade, foram três pessoas orientadas pelo Dr. Benenzon, que é um psiquiatra, psicanalista argentino, além de pianista. Ele que começou, de certa forma, esse movimento na América Latina, porque eu sei que ele andou também pelo México e tal. Mas a as três pessoas que se juntaram aqui para organizar o curso foram a Cecília Conde, que era quem liderava, porque era, na época... eu não sei exatamente (risos), mas era professora, não sei se ela tinha algum cargo aqui no Conservatório, eu não lembro disso direito... Mais a Gabriele Souza e Silva – a Gabi –, que foi a pessoa que também fez educação musical com a Liddy Mignone (mas eu acho que depois) e a Doris Hoyer de Carvalho, que também fez o curso e que era da Pestalozzi. A Gabi foi a pessoa que abriu o setor de musicoterapia na ABBR (Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação), que é um setor que existe até hoje, com sessenta e poucos anos... 

É muito antigo...

Pode ser? Sessenta? Eu não fiz contas (risos). Na verdade, eu não sei te dizer, mas eu entrei em 1973, quando eu estava no segundo ano e a musicoterapia já existia há algum tempo. De 1973 para cá são quase... 

Com certeza é o lugar que tem mais tempo musicoterapia sem parar, não é? Ininterruptamente.

Com certeza. No primeiro ano, nós (a primeira turma) fomos levados a fazer uma visita à ABBR. No momento eu que eu entrei na sala da ABBR eu pensei: “eu vou trabalhar aqui”. E no segundo ano eu voltei para estagiar e fiquei oito anos lá. Então a ABBR foi uma grande escola. No momento tinha equipes de reuniões clínicas, tinham centro de estudos... Foi realmente uma grande escola.

Rejane, como é que você soube que ia ter curso de musicoterapia no Conservatório? Esse de um ano. Como é que você foi tocada para chegar na musicoterapia aqui?


É uma história muito louca, eu acho. Eu estudei piano e vim para o Rio para estudar piano. Quando eu estava no final do curso, eu era aluna da professora Nise Obino e ela se mudou para Brasília. Antes de ela se mudar para Brasília, ela disse: “eu vou te preparar para te encaminhar para o Arnaldo Estrella”, que era um grande professor de piano. E aí ela me encaminhou para o Arnaldo Estrella, com quem eu estudei três anos de piano, até eu ir embora para São Paulo. Eu fiquei em São Paulo de 1965 a 1970, voltei para o Rio em 1970 e resolvi voltar a estudar piano com o Arnaldo Estrella. Só que o Arnaldo estrela dava aula na Mesbla, onde tinha um andar que era de venda de instrumentos musicais.  Claro que eles deram uma sala, porque nós passávamos pelo meio dos instrumentos e ficava todo mundo com os olhos grandes com aquelas maravilhas de instrumentos, piano de cauda e tal... Então, ele tinha uma sala ali e numa das minhas aulas eu vi um papel afixado na parede (isso foi final de 1971, e o curso começou em 1972) dizendo que o Conservatório Brasileiro de Música iria oferecer o curso de musicoterapia. Eu falei: “opa! Estou nessa!”, e vim para cá ver o que era isso. Entrei no curso, parei de estudar piano e cá estou ainda hoje! 

Que bom! Que sorte a nossa! (risos)

(Risos) é uma história muito louca, não é?

E Rejane, na verdade eu entrei no curso em 1975 e fui sua aluna. Mas a gente ouve falar desse curso, que tinham muitos professores interessantíssimos...  Como é que era isso? Quem é que foi seu professor? O que você conta dessas histórias aí?


Teve muita gente importante! Quer dizer, teve muita gente que veio de fora, mas essas pessoas – e outros musicoterapeutas de fora – continuaram vindo, mas na época nós tínhamos uma programação de disciplinas que hoje não tem mais. A gente fez dança africana...

Com aquela Batista, não era ela? Uma grande dançarina...

Eu não vou saber dizer o nome dela... A gente teve Angel Vianna, que todo mundo conhece, uma grande professora de expressão corporal. A gente teve o Klaus Vianna, que era marido da Angel, teve o Ailton Escobar, um grande músico que hoje eu acho que está em São Paulo... Eu não sei onde está o Escobar, mas ele era uma estrela. 

Eram muitos! A emoção de estar estudando musicoterapia com toda essa gente boa deveria ser enorme!

Na verdade, musicoterapia musicoterapia mesmo a gente estudava com a Doris Hoyer de Carvalho, que era professora de musicoterapia e foi quem eu substitui quando ela saiu. Ela só ficou os primeiros quatro anos, e só deu aula para a primeira turma. Quando chegou no quarto ano ela disse “eu vou sair quando vocês saírem daqui”. Então no quarto ano eu fiquei dando aula para primeiro, segundo e terceiro ao mesmo tempo em que era aluna. Mas a gente teve professores que vinham de fora, porque tinham disciplinas que a gente não tinha professores aqui. Então a gente teve um professor – Bartolomeu, de Minas – que deu fenomenologia da percepção, e que tinha acabado de chegar de Louvin – que, na época, era o máximo do máximo. Era uma festa, mas uma festa que exigia muito! A gente estudava muito. Eu acho que nunca se estudou tanto, até porque era uma coisa muito nova pra nós. A primeira vez que eu vi na minha frente um livro de musicoterapia eu fiquei louca, porque era inexistente! Era o livro do Thayer Gaston, que é hoje uma fonte primária preciosa. E a gente fez um grupo para estudar o Thayer Gaston. Caique Botkay, que era da minha turma, e outras pessoas que saíram, e eu nos juntamos com aquela joia na mão – que era filho único de mãe viúva, porque não se tinha outro livro de musicoterapia – para estudar, pela primeira vez tendo um livro – além das aulas, que eram preciosas, com a Doris, com a Gabi (que dava musicoterapia em reabilitação, porque vinha de uma enorme experiência na ABBR), com outros professores que hoje já não estão mais. A gente tinha aula no sábado, na Casa de Saúde Doutor Eiras e a gente entrava às 8h da manhã e saía às 5h da tarde. A gente assistia entrevista de pacientes de saúde mental. Então era riquíssimo! “Mitos e símbolos”... E por aí vai. “Mitos e símbolos" a primeira professora foi a Zelita Seabra. Aí eu virei coordenadora do curso – eu terminei em 1975 – e em 1976, na verdade em dezembro de 1975, a Cecília convidou Lenita Moraes – que hoje ainda dá aula aqui – e Janete Elpeny, então nós éramos três coordenadores mais um neurologista, que era o Renée. Ou seja, éramos quatro coordenadores, o que é uma enorme loucura [risos]. Aí eu fiquei até 1990, desde 1975, foram 16 anos de coordenação. 

Tinha critério para entrar nessa primeira turma? Era uma graduação? Já se pensava nisso?

Não, não era uma graduação no primeiro ano, porque só teria curso de um ano. 

E aí era aberto para quem se interessasse em fazer?

Não, eu fui dispensada da prova música porque eu tinha piano, contraponto e fuga, regência... Mas não tinha uma prova discursiva, era só uma prova de música. 

No instrumento?

Isso, no instrumento musical, exatamente.

Então a concepção não foi para ser uma graduação, mas foi se tornando uma graduação?


É, primeiro o curso passou de um para três anos e, quando a gente chegou no terceiro ano, passou para quatro, e quando a gente terminou já foi um diploma de graduação. 

Então você passou de aluna a coordenadora...

Primeiro eu passei de aluna a professora, porque eu fazia as duas coisas: quarto ano como aluna e os outros três como professora. Logo depois de terminarmos, já em janeiro de 1976, nós entramos como coordenadoras e aí eu assumi também o quarto ano. As minhas disciplinas eram todas as musicoterapias, no primeiro, segundo terceiro e quarto anos. E eu era, também, supervisora do que se chamava na época de musicoterapia em psiquiatria, dos estágios de musicoterapia em psiquiatria. E também na época, como era uma coisa muito nova, a supervisão não era dada só por musicoterapeutas. Se tinha, na área de reabilitação, um musicoterapeuta que trabalhasse nessa área e um neurologista. Em psiquiatria – ou saúde mental – eu entrei não sei bem explicar porquê, já que a minha área era reabilitação, mas eu entrei como supervisora. O primeiro psiquiatra com quem eu trabalhei foi... Eu não vou lembrar o nome dele... Mas ele era... Muito amigo da Martha, como era o nome dele? Leonardo!

Ué, mas antes não era o Dr. Theodore, o Pedro Antonio?

Na minha época, quando eu era aluna. O Theodore era professor de psiquiatria e psicopatologia. Mas quem fez a minha supervisão de psiquiatria – porque eu fui estagiária do IPUB – era uma psiquiatra. Na verdade, eu dei supervisão com quatro psiquiatras. O primeiro deles era a Ivone Dalpois, depois entrou uma que eu não lembro o nome, uma loirinha do próprio IPUB, depois Marisa Conde e depois entrou o Leonardo. Marisa Conde que hoje está na Fio Cruz.

Mas Rejane, então você foi uma pessoa que contribuiu muito para a divulgação da musicoterapia, para a disciplinarização da musicoterapia... Esse conhecimento que é lutado, hoje a gente já tem uma divulgação – muita gente já conhece a musicoterapia, muita gente sabe o que é, o SUS quer, o SUAS colocou musicoterapia, na educação inclusiva já tem musicoterapia... Quer dizer, há anos atrás quando você começou, não havia nada disso! De 1976 – quando você começou a coordenação – a 1990 provavelmente a tua atuação, e dos demais coordenadores, foi importantíssima para a gente ter o que tem hoje, não é?

É, na verdade, eu me formei em 1975 e o meu primeiro congresso mundial foi em 1976. Que já não era o primeiro, era o segundo, e foi realizado em Buenos Aires. Ou seja, desses congressos mundiais todos eu só não fui na Austrália, em Brisbane, eu não fui na Coreia, e eu não fui em Genova, na Itália. Ou seja, em 15 congressos, eu não fui a três, e eu apresentei trabalho em todos. 

Inclusive aquele seu trabalho – que eu estudei como uma apostilazinha mimeografada – sobre as etapas da sessão, que você escreveu como aluna ainda, não foi?

Eu escrevi no quarto ano. Era um trabalho final que a Doris pediu e eu, depois, num carnaval [risos], arrumei para ele ser publicado.

No caderno nº4

No caderno nº4, exatamente. Mas aquilo eu nunca apresentei em lugar nenhum.

Mas aquilo já é, não é? [risos] Aquilo não precisa apresentar em lugar nenhum!

Não, mas você sabe que, por exemplo, “Intervenções em musicoterapia” – que é um outro texto meu – eu escrevi, não vou nem dizer porquê [risos]. Aliás, acho que eu posso dizer sim, porque é importante. Nós tínhamos um grupo que se chamava “musicoterapia didática”, por analogia à “análise didática”. Eu era paciente, tinha o Dr. Benenzon e uma musicoterapeuta e, em um determinado dia... Era a semana inteira, a gente ficava uma semana, e foi em quatro anos consecutivos, cada ano se fazia uma semana. Eu estava na “sessão” de musicoterapia e começou a me vir insistentemente na cabeça um trecho que era [cantarolou]. E vinha no metalofone, no violão, na voz... Sabe o que hoje se chama de “música chiclete” [risos]? Era isso! Aquela coisa que gruda e não sai, e grudou na minha cabeça, e eu começava a fazer sinal para a musicoterapeuta como quem diz “o que é isso??”, porque eu não aguentava mais. E a musicoterapeuta não me via. A gente tinha uma ordem expressa, a gente não podia falar, mesmo como paciente. E aí eu quebrei todas as regras e falei pra uma outra pessoa do grupo – não falei nem com a musicoterapeuta, porque eu não estava sendo ouvida nem vista – “fulana, que música é essa?”. E ela estava com o violão na mão e cantou “oh, mana deixa eu ir, eu vou só para o nana do Carimbó”.

Está ótimo você cantando [risos]

Por quê?

Porque a letra está meio trocada, mas está ótimo [risos]

Ah, isso é o que eu invento sempre!

Exatamente, isso é você! E é uma intervenção também, é uma das coisas que você discute nesse texto, não é?


É, e aí eu percebi a importância que tem a intervenção do terapeuta como alívio para o paciente! Eu senti isso na carne e pensei “eu tenho que pensar sobre isso!”. Aí eu comecei a pensar, pensar, e comecei a ver tipos de intervenção... Enfim, eu levei muito tempo pensando sobre isso, aí eu apresentei no congresso mundial que foi realizado no Rio de Janeiro em 1990, na UERJ. E aí uma pessoa levantou a mão e perguntou “ah, quer dizer que o musicoterapeuta só intervém, ele não faz mais nada?”. E eu disse “não, ele interage”, e, no momento em que eu disse “ele interage”, eu percebi que o texto deveria ser interações e intervenções, que foi o formato que ele foi publicado.

Que é um texto lindo, eu sou fã desse texto!

Foi um texto que eu estudei muito, como quase todos que eu escrevi [risos]. Porque sempre tem um período de hibernação – e eu fico em estado meio incomum de consciência, ando pela rua pensando, como todo mundo faz... É que a gente nem sempre pensa quais são os processos que a gente tem de escrita, mas o meu é um processo que leva anos! A “técnica provocativa” eu levei 27 anos [risos].

Ela te provocando [risos]

Ela me provocando, mas eu não tinha como explicar o que eu queria explicar, até que, no doutorado, fazendo aula com o Jean-Jaques Nattiez, o francês, em um determinado dia, ele falou alguma coisa sobre a Gestalt e eu percebi que ali estava o que eu precisava para fundamentar a técnica. O que eu pensava era “não adianta eu apresentar uma técnica que eu não tenho como fundamentar, é melhor não apresentar”, então eu levei 27 anos sofrendo [risos]. Até que, em 2008, eu consegui apresentar em um congresso que teve aqui, no Ministério da Educação, aqui prédio do MEC, que foi os 40 anos da musicoterapia – 40 por conta de 1968. Enfim, mas cada texto é um parto. Às vezes muito mais do que um parto, como esse de 27 anos [risos]. Mas eu funciono muito assim, ou seja, tudo eu paro para pensar, ou seja, eu leio alguma coisa que às vezes não tem nada a ver com música e é o gatilho que precisava para me levar para um determinado tema que eu acho que vai ser importante. 

Estou me lembrando de outro trabalho seu instigante, que também vêm dessa pergunta da sua prática: “Ipod pode?...” como é mesmo o nome? [risos]

“Ipod pode? Não pode? Por que pode?”. Mas eu estou para escrever outro texto para colocar a importância da utilização disso, porque eu falei do “pode não pode ou pode” dentro de um contexto, e não na musicoterapia. Ou seja, no contexto da musicoterapia com pessoas numa enfermaria de diálise, no momento da diálise, que ficam com o Ipod no ouvido e continuam quando o musicoterapeuta chega. Ou seja, a grande questão aí não é que o Ipod fosse um impedidor – que, na verdade, também é, porque se tapa o ouvido é um impedidor, não é? [risos]. Mas a grande questão era como o musicoterapeuta poderia... que estratégia utilizar para que o próprio paciente desligasse o Ipod . Uma estratégia que fosse mais potente, criativa... Porque no Ipod eles têm qualquer tipo de música, qualquer tipo de intérprete, o suprassumo da tecnologia, eles têm tudo da forma mais... Eu não vou dizer perfeita porque perfeita nada é, mas da forma mais... Como eu posso dizer?

Acessível

Além de acessível, é um... As orquestras imensas, as bandas de rock... Eles têm o que eles quiserem do mundo inteiro na hora que eles quiserem. Como que eu com o violão na mão [risos] vou ser mais potente musicalmente do que um Ipod? Então, nesse contexto, realmente foi importante achar uma saída, uma estratégia, que foi a composição, que era uma coisa que eles não conheciam, que possibilitou a expressão de conteúdos e que eles fizeram coisas incríveis. Mas, depois disso, recentemente... Quer dizer, isso foi até meio recente, foi 2009, mas 2012 eu comecei na Maternidade Escola como pesquisadora convidada junto com a Martha Negreiros, o Albelino Carvalhaes e a Clarice Moura Costa. Éramos quatro pesquisadores para fazer uma pesquisa com pré-eclâmpsia. E aí nós fomos fazer um projeto piloto e fomos para enfermaria de grávidas hipertensas. E aí eu percebi como nesse espaço a tecnologia é importante, porque as pacientes começavam a cantar uma música... O Albelino, todo mundo conhece, é altamente musical, transita por piano, violão, com as mesmas harmonias complexas, lida maravilhosamente com a linguagem da música. Mas nem o Albelino sabe tudo! Ninguém sabe tudo, é muito difícil. Aliás, um repertório absurdamente inexplicável, mas isso é uma outra questão. E aí eu vi que tinhas momentos que era imprescindível ter ajuda da tecnologia, porque se utilizava um Ipad. Ou seja, nós não sabíamos as letras, o paciente também não, mas ele pedia uma determinada música e na mesma hora o Albelino tinha a música. Como ele é extremamente musical, ele saía junto ou, se fosse muito difícil, ele nem saía junto, mas trazia para a paciente aquilo que ela queria ouvir e cantar junto. Então aqui era um recurso absolutamente importante, então a gente a prende pela experiência que a gente não pode generalizar nada. Ou seja, tudo é muito importante dependendo de onde se esteja, com que tipo de pacientes, em que prática, e aí é super importante, sem dúvida nenhuma.

Você disse agora que essas últimas reflexões foram na UFRJ, na Maternidade Escola, num convênio do Conservatório com uma pesquisa, não é? 

Na verdade, é mais amplo do que a pesquisa. É para estágio e pesquisa. Estágios de graduação e de pós-graduação e pesquisa.

Isso. E a UFRJ é só um pedacinho dos lugares que você conquistou para a musicoterapia. Conta um pouquinho disso, dessa possibilidade que você traz sempre – com a sua generosidade – de colocar a musicoterapia, o Conservatório nos lugares mais diferentes, nas pautas mais complexas... Você está lá colocando a musicoterapia, tá cavando um estágio, uma palestra, uma discussão.

Na verdade, eu nem considero que seja generosidade. Era meu trabalho, na medida em que eu era coordenadora. É claro que eu poderia dizer “não, para lá eu não vou” [risos]. Eu cheguei a ir para a Dutra sozinha para abrir estágio em instituição. O Rio é uma cidade enorme e a gente tem alunos em todos os lugares, então ter um estágio lá beneficiava muito os alunos. Por outro lado, era muito importante que a musicoterapia fosse entrando nesses lugares todos. Em muitas instituições, se abriu estágio para dar possibilidade.

Eu estou me lembrando aqui que a gente hoje tem essa clareza da função da musicoterapia, da importância da musicoterapia, mas o curso foi reconhecido como possível em 1978, não é? Foi o ano em que eu me formei. Nesse ano, o conselho de psicologia baixou uma portaria – sei lá como chama – dizendo que musicoterapia só psicólogo poderia fazer, porque eles achavam que tinha a ver com métodos e técnicas psicológicas. Hoje o conselho já não pensa mais isso porque sabe perfeitamente que a música enquanto métodos e técnicas psicológicas o psicólogo pode usar, mas a música enquanto métodos e técnicas musicoterapêuticas o musicoterapeuta é quem se sabe utilizar. Mas eu lembro que numa dessas histórias, de uma pessoa que veio fazer uma palestra – eu estou falando da minha memória, você por favor me corrige se eu estiver errada – e falou algumas bobagens e você foi chamada no conselho para falar sobre, afinal de contas, o que é isso de musicoterapia! O que você fazia, não é?

É verdade. Eu fui chamada, e não fui só eu. Fui eu e uma outra musicoterapeuta, a Silvia Becker. Eu não entendi até hoje como acharam a gente, mas enfim, acharam...

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